Acordou sem ânimo. Banho, café,
cigarro e a janela ainda emperrada fechavam o ciclo batido de seu acordar
enfadonho.
Desceu pela escada, por
recomendação médica e optou por caminhar até o trabalho, mesmo odiando o suor,
que aos poucos escorria na sua face e ensopava a sua camisa.
Já sabia, de antemão, que a vida
estava insuportável, mas não seria covarde a ponto de dar fim a ela, sabendo que
algumas pessoas, poucas é verdade, não suportariam a sua ausência.
No caminho, teve a oportunidade
de pensar em como seria a vida sem a sua presença. Pais, filhos, esposa,
amores, paixões, amigos e inimigos, como viveriam sem a sua participação
terrena?
Ao se deixar “deitar”, nesse divã
natural, regado ao sopro do vento e ao balanço das flores, percebeu que estava
praticamente só. Na verdade, a maioria das pessoas em sua vida, eram
caricaturas do óbvio.
Uma legião de seres que navegaram
em sua vida sem terem a percepção das suas necessidades e angústias. A verdade
era que a sua melancolia era crescente, assustadora, forte e desafiadora.
Era necessário correr, não para o
trabalho, mas para um ponto no mar, na terra ou no céu. Buscar uma referência
que lhe permitisse saborear a sua verdadeira pessoa, sem capa, sem bom dia, sem
fome e sem sede.
Olhou para trás e viu o fechar
das copas das árvores, a abertura do sinal, o cheiro de terra molhada e algumas
faces sem nexo, despudoradas e deformadas aos olhos de quem queria e precisava
ver, além da pele.
Queria dançar a música dos
sonhos, beijar a boca do universo, gozar para todos os gostos, vender tudo que
representasse dor e ressentimento e viver, viver, viver, passo a passo, a
construção de algo novo, milimétrico ou não, mas que fosse de raiz, forte,
alimentado e promissor.
Para disfarçar o cansaço, parou
em uma loja de flores. A branca ele pensou na paz que queria estar sentindo. A
vermelha, o reportou para a dor dos relacionamentos e a amarela, com cheiro de
morte, o enviou ao enigmático e para o questionamento: Por que a morte tem
odor?
Por um instante, olhou as pedras
do chão, com timidez para o sol, com sofrimento para as chagas do seu corpo e deixou
tomar conta de si, a vontade de ir embora. Na sua frente, nada mais atraente do
que aquele rio. Frio ou quente, as ondas eram um convite a uma viajem,
certamente sem volta.
Viajaria por tantos lugares,
molhado, arrependido, mas com tempo de pensar. Debaixo d’água o silêncio seria
a sua companhia. Não saberia quantos segundos ou minutos, por questão de
instinto, resistiria ao toque final do óbito.
Pesou seu corpo no parapeito,
envergou seu coração e braços, mas o apito da vida começou a soar forte. Um
feedback veio em sua mente, veloz, com pressa e cheio de palavras. O início do
som fez a decisão ser postergada por instantes, mas a vontade de ir, para o
outro mundo, ainda era fértil e rendia frutos poderosos pelo seu corpo.
Naquele momento, a falta de
apetite em viver era tão grande que era capaz de colocar em lugar secreto todos
os apitos que pudessem impedir a sua partida.
Cambaleando no parapeito, feito
um pêndulo, o nervoso começou a tomar conta de seu íntimo. Uma briga interna, a
luz do dia, entre a vontade de morrer e os sinais de que a vida ainda valia à
pena.
Seu externo começou a se
envergonhar, pois por fora, a vida estava rolando, com estresses, luzes,
alegrias e tormentos. As águas continuavam correndo pelo rio e o convite para a
viagem estava ainda pulsante.
Em um determinado momento, as
forças positivas, vindas do apito, começaram a vencer, mesmo que de forma
tímida, as aterradoras vontades de partir precocemente.
Devido a isso, o sentimento de
covardia apareceu. Covardia de não querer encarar os problemas, os amores, as
traições, os desejos mais secretos e os imensamente mórbidos.
A luta interna começava a
ultrapassar a barreira do íntimo e da mente. Agora, já fazia o corpo tremer,
pulsar e transparecer que havia uma ebulição interna, retratada na batalha
entre a vida e a morte.
Voltar para casa seria uma
derrota ou uma grande vitória? Saberiam seus personagens, que a sua volta era
uma vitória e não um vexame? Seria recebido com amor, devaneios, gratidão ou
com desdém?
Não queria voltar, qualquer que
fosse a sua decisão. Queria voar rumo a uma vitrine em que as roupas
disponíveis fossem substituídas por dois portais, morte e vida ou limo e
paraíso.
Queria escolher o caminho, mas
uma amostragem seria um alento, que transformaria a decisão em algo mais ameno,
sem cores, sem dor e decisivo.
As águas do rio já não
representavam uma corrente tão forte e a possibilidade de emergir e esperar o
fim já gerava dúvidas pertinentes que faziam com que a reta da morte escolhida
pudesse ser trocada por curvas com vida e esperança.
Recuou do parapeito, respirou,
secou a testa com a mão e pensou em algo leve e extasiante. Veio a sua mente, o
rosto dos filhos que o estavam esperando para um abraço e por lições de como
não sucumbir às fraquezas.
Era hora de retornar ao eixo,
apertar as fivelas, inclinar a cabeça e amar sem esperar o retorno. Fazer por
alguém sem aguardar a recompensa. Seria um ser diferente, com defeitos, mas
normal e sabedor, de que não há nada mais valioso do que a vida e a ponte que
liga os desejos as concretizações é feita de fé e esperança.
Resolveu manter-se vivo, começou
a catar os cacos, empilhou as ansiedades, cheirou as flores, tocou as árvores,
voltou para casa, beijou os filhos, deitou os quadros e foi dormir.
Foi sonhar com Deus e com os seus
ensinamentos, afinal queria acordar e poder diferenciar, de forma segura, o
concreto do abstrato, o branco do cinza, o falso do verdadeiro, o amor da
paixão e a vida, da perdição.
Cláudio Andrade.